quarta-feira, 24 de novembro de 2010

De Onde Vêm as Boas Ideias

Steven Johnson já foi citado como um dos mais influentes pensadores do ciberespaço pelos periódicos Newsweek, New York Magazine e Websight. É editor-chefe e cofundador da Feed, premiada revista cultural on-line. Graduou-se em semiótica pela Brown University e em literatura inglesa pela Columbia University. A Zahar já publicou cinco de seus livros e em 2011 publicará mais um, aquele que o próprio autor, em conversa com Mariana Zahar na Campus Party de 2008 em São Paulo, disse para ela que "estou escrevendo o livro de minha vida": De Onde Vêm as Boas Ideias.



A seguir a reprodução de uma entrevista dele para O Globo publicada em 14/11/2010 sobre esse novo livro. Os negritos são meus.

"O escritor americano Steven Johnson, especialista em destrinchar temas tecnológicos para o leitor comum, volta a chamar a atenção dos aficionados de ciência e tecnologia com seu livro "Where good ideas come from" ("De onde vêm as boas ideias"), lançado em outubro nos EUA e a ser lançado no Brasil pela Zahar em 2011. Ele desmistifica teses sobre a inovação, como a suposição de que grandes gênios têm ideias do nada depois de grandes momentos de silêncio e contemplação. Besteira. Inovação nasce do caos, diz o autor, um iconoclasta que defende as cidades como polos de produção de novas ideias e garante que nem sempre o dinheiro é o fator motivador de uma descoberta genial. O escritor é fã do jeitinho brasileiro de superar limitações e diz que nem sempre a pobreza restringe a inovação. E para quem não se considera um Einstein, Johnson dá seus conselhos. Primeiro, que as famílias estimulem seus filhos a cultivarem hobbies e atividades paralelas ao estudo. E que as pessoas sempre anotem suas ideias em uma espécie de diário. "Uma ideia que você teve há um tempo pode nem fazer muito sentido, mas quatro anos depois, diante de uma nova realidade, ela pode ser uma ótima ideia".

O GLOBO: Muitas pessoas acham que inovação só é estimulada pela possibilidade de que ela renda dinheiro, uma tese da qual você discorda. Qual a motivação para inovação?

STEVEN JOHNSON: Há motivações múltiplas. Dinheiro é certamente uma delas, mas superestimamos o desejo por dinheiro ou até que ponto o marketing orienta a inovação. O problema com a inovação baseada em marketing é esse desejo de proteger sua ideia porque você quer fazer dinheiro com ela. O grande argumento contra isso é que as melhores ideias frequentemente vêm de processos colaborativos, de redes de ideias ou de criar em cima de processos e ideias já inventados por outras pessoas, de pegar emprestada uma ideia de outra pessoa e desenvolvê-la em outro campo, fazer algo completamente novo. E é essa propriedade de conectividade da inovação que você compromete quando tenta esconder e proteger ou isolar sua ideia. E é por isso que existe esta longa história de defesa de sistemas abertos, seja em universidades, seja em ciência experimental, seja na internet.

O GLOBO: Então a figura do gênio trabalhando isoladamente não existe.

JOHNSON: Há pessoas excepcionalmente inteligentes, mas elas raramente trabalham totalmente sozinhas. Os trabalhos são colaborativos. Em geral, quanto mais conectado você é, mais propenso a ter boas ideias, mas você terá mais chances de ter ideias verdadeiramente originais se estiver cercado de gente diferente de você, se tiver uma rede de influências supreendente. O ponto interessante do livro é justamente a importância da diversidade, não apenas a diversidade multicultural, mas a diversidade de interesses, como você ser um publicitário cercado de arquitetos, cientistas. As coisas que este amigo arquiteto diz podem acender uma centelha de ideia original para sua campanha publicitária. É melhor ser um gênio e, se você for um gênio, que bom para você, mas é melhor que você se coloque num ambiente de diversidade. Outra coisa: nós não perdemos muito tempo pensando no livro como uma ferramenta revolucionária do ponto vista da inovação, mas é um poderoso instrumento de mudança social ao guardar ideias e transmiti-las a outras ações, os antecessores do conhecimento transmitido em rede.
" Historicamente, as cidades são os grandes berços da inovação "


O GLOBO: E há ambiente ideal para que as ideias fluam?

JOHNSON: O problema com as empresas é que elas dedicam somente uma semana durante o ano em que todo mundo sai em retiro e tenta ser criativo e se reúne em sessões de brainstorming. Não há nada mais equivocado do que esta ideia de que um dia todo mundo vai ser mais criativo e, depois, volta todo mundo à rotina do trabalho. Se você quer realmente criar um processo de inovação permanente que percorra toda a empresa, um dos grandes modelos é o Google, onde os empregados dedicam 20% do seu tempo a inovação. É um tempo em que eles podem trabalhar em projetos paralelos vagamente relacionados às metas da empresa, e só o que é pedido é que eles se reportem uma vez por mês a seus superiores fazendo uma atualização do trabalho. O fato é que 25% das inovações geradas na empresa vêm destes 20% de tempo criativo. É um mecanismo poderoso dentro da organização.

O GLOBO: E em casa, nas famílias?

JOHNSON: Depende da estrutura familiar que você tem. Uma das coisas mais interessantes que eu descobri ao fazer os perfis das pessoas que estão neste livro é que quase todos possuem muitos hobbies. Uma das coisas que os pais podem fazer de bom para os filhos é dar o conselho: "Seja apaixonado por alguma coisa ou coisas. Envolva-se". O processo mental de mergulhar realmente em algo, aquela sensação de que você precisa ter muitas informações sobre aquilo e conhecer profundamente, eu acho que isso é algo que os pais devem encorajar nos filhos.

O GLOBO: Em seu livro, você diz que as cidades são bons locais para a inovação. Por quê?

JOHNSON: Se ter boas ideias fosse apenas uma questão de achar um local quieto para pensar, meditar e ter grandes sacadas, a história da inovação estaria restrita a áreas rurais, onde estaria longe de todo o caos e das pessoas. Historicamente, as cidades são os grandes berços da inovação, não apenas pela quantidade, mas pela quantidade de ideias per capita. Apesar disso, as cidades são consideradas perturbadoras e difíceis para a concentração. Mas elas abrigam todo o conceito de caos criativo ao permitir as conexões de que já falamos, a interatividade com o diferente. Há algo nas cidades que te faz esbarrar em gente toda a hora, a ter conversas, tomar café e trocar ideias. As cidades também são excelentes na tarefa de criar subculturas, e as subculturas são importante motor de pensamentos criativos porque as pessoas estão ali trabalhando nos limites da sociedade ou fora dos limites. Acabam gerando novas ideias e novas abordagens de velhas ideias.

O GLOBO: Você acredita que haja alguma relação entre pobreza e inovação?

JOHNSON: Uma das coisas que são fundamentais para a inovação é tempo livre. Quando você está totalmente concentrado em completar seu trabalho, ganhar o contracheque, geralmente não tem tempo de se questionar sobre coisas. Aquela pergunta na linha: "Se eu fizesse isso, o que será que aconteceria?". Em ambientes de muita pobreza é difícil encontrar situações onde haja tempo livre para questionamento. Por outro lado, recursos limitados em determinadas sociedades acabam forçando as pessoas a serem mais criativas. Mesmo nas favelas no Rio e em São Paulo, há coisas incríveis acontecendo em termos de inovação local, incluindo a falta de infraestrutura tradicional nestes locais e as maneiras muitas vezes ilegais em que tentam ter acesso a luz, água ou internet. Há forte elo de empreendedorismo nestes lugares, eles só não estão criando novo Google porque há pouca estrutura básica ainda.

O GLOBO: Existem políticas públicas que possam estimular a inovação?

JOHNSON: Certamente. Financiar pesquisa universitária é parte do que os governos podem fazer e é muito importante. Eu falo no livro sobre a abertura de informações de governo, de modo que as pessoas que não trabalham no governo possam criar produtos e serviços a partir destas informações. Também defendo os ambientes de trabalho compartilhados, como escritórios subsidiados pelo governo em que diferentes profissionais, de diferentes áreas, possam trabalhar juntos. São ambientes realmente inovadores.

O GLOBO: Há países emergentes exemplares em inovação? Fala-se muito em Coreia do Sul.

JOHNSON: Eu gosto muito do Brasil. Fico muito impressionado com o ambiente e a criatividade das pessoas, a maneira como elas adotam a internet, redes sociais, tecnologia da informação. Compraria papéis do Brasil agora, se pudesse. Muitos falam que alguns países não produzem de fato inovação, mas aproveitam ideias de outros países e aplicam em suas realidades, mas isso é muito bom e muito inovador.
" Uma das coisas que são fundamentais para a inovação é tempo livre "

O GLOBO: E você defende no livro que videogames são um tipo de exercício que estimula a inovação. Isso é polêmico.

JOHNSON: Eu defendo a maioria. Os melhores são os que estimulam a formulação de estratégias, não necessariamente os mais violentos. Os games são hoje muito mais complexos de se jogar do que os de quando eu era garoto e mesmo do que atuais programas estúpidos de TV. Como uma espécie de exercício mental, eles têm o seu lado bom.

O GLOBO: A China é muito boa na inovação em ciências exatas, mas fraquíssima em inovação em ciências humanas. Isso tem a ver com o regime autoritário?

JOHNSON: Não sei responder a essa pergunta. Nos EUA, onde temos uma cultura forte de empreendedorismo, gente com 25 anos está abrindo suas próprias empresas. Ao mesmo tempo, temos uma sociedade de consumo sempre disposta a testar novas coisas e novidades, como Twitter ou iPads. Então penso que você tenha que ter as duas coisas para ser bem sucedido como país: um ambiente em que as pessoas tenham espaço para inovar e criar e gente com coragem de consumir essas novidades. Se você tem um, mas não tem o outro, então você tem um problema e acho que parte do problema da China vem daí. Mas eles fizeram tanto progresso em tão pouco tempo que a cópia é uma forma de queimar etapas, neste sentido, quando se moderniza nessa velocidade. Não ficaria surpreso em ver a China como realmente criativa no curto prazo, como aconteceu com o Japão.

O GLOBO: Muita gente no Brasil acha que a internet é um desserviço em termos de estímulo à inovação porque ela afastaria as pessoas do que realmente interessa, fazendo-as perder tempo com bobagem ou sobrecarregando-as de informações. O que você pensa disso?

JOHNSON: A internet certamente nos faz mais sobrecarregados de atividades. Mas se você é do tipo que consegue manter o foco, então os benefícios são enormes, como o leque de conversações agora possíveis e a troca de informações advindas daí. Se alguém inventasse uma internet com toda a conexão, sem a distração, seria ótimo, mas isso não existe. O fato é que as pessoas precisam organizar o seu espaço mental para manterem o foco no que interessa. Muita gente critica os tablets dizendo que são piores que os aparelhos de leitura eletrônica, tipo e-readers, porque permitem que as pessoas façam várias atividades ao mesmo tempo, como ler e navegar na rede e, portanto, diminuiriam o prazer da leitura pura. Não concordo. Ainda assim, a distração é compensada pelos enormes benefícios. É claro que há uma sobrecarga de informações, mas eu, de um modo geral, me sinto mais capaz de captar e administrar muito mais informações do que há dez anos, e isso é um benefício. Seguir essas vozes diferentes em redes sociais ou por email ou mensagem instantânea, tudo isso me faz mais criativo no fim das contas. Até achar um livro, comprá-lo e lê-lo é hoje muito mais fácil e rápido, e isso é bom.

O GLOBO: Quais as dicas para se tornar mais inovador no seu dia a dia?

JOHNSON: Uma boa dica é anotar suas ideias num bloquinho e guardar aquilo, relendo-as de quando em quando. Uma ideia que você teve há um tempo pode nem fazer muito sentido, mas quatro anos depois, diante de uma nova realidade, ela pode ser uma ótima ideia.


Enquanto De Onde Vêm as Boas Ideais não chega, segue um breve resumo (retirados do site da editora) de seus outros livros cinco livros já publicados pela Zahar:

Cultura da Interface: como o computador transforma nossa maneira de criar e comunicar
"Neste livro Johnson supera a tradicional divisão entre cultura e tecnologia ao retomar o cruzamento histórico desta com a arte. Além disso, mostra como a interface do ciberespaço influencia a vida moderna e reflete suas principais características. Inovando, Johnson compara o papel do design tecnológico ao dos romances do século XIX: tornar as mudanças da sociedade compreensíveis para quem as vive. A nova linguagem visual é apenas uma maneira de tornar mais acessível a complexa rede de informações ao nosso alcance."


Emergência: a dinâmica de rede em formigas, cérebros, cidades e softwares
Este é um livro fantástico, cuja leitura recomendo com ênfase. Foi melhor Livro do Ano da Esquire e Livro Notável do New York Times. "O que têm um comum um formigueiro, o cérebro humano, as cidades e os modernos softwares? Todos são exemplos de sistemas auto-organizados que privilegiam as sequências, em detrimento da lógica, e nos quais se dispensa a presença de um controle centralizado para haver ação. Surgem de um nível de elementos relativamente simples em direção a formas de comportamento mais sofisticados e por isso são chamados sistemas emergentes. Por meio de uma breve história de tais sistemas, Steven Johnson analisa pioneiros e pensadores que contribuíram para a construção dessa teoria, seja no terreno da biologia, da biofísica, do urbanismo ou do design de softwares. Além disso, esboça a gênese do comportamento emergente, que compreende desde crianças habilitadas para o controle mediado dos novos softwares até grupos de protesto que dispensam lideranças, a exemplo dos movimentos antiglobalização. Apoiado na analogia entre mundo biológico e cultural, o autor antecipa o que seria uma revolução interativa, na qual o controle da tecnologia mudaria das mãos dos engenheiros de softwares para os usuários dos sistemas."

O Mapa Fantasma: como a luta de dois homens contra o cólera mudou o destino de nossas metrópoles
"Londres, 28 de agosto de 1854. Este irresistível thriller científico conta a história de uma epidemia de cólera que se espalhou pelos arredores da cidade, matando mais de 500 pessoas em apenas dez dias. Dois homens iniciariam uma jornada em busca do mal causador da praga. Contra a mentalidade científica da época e a opinião geral, apontaram a água como o principal veículo transmissor. A partir de então, dejetos humanos e água potável passaram a seguir caminhos distintos. A descoberta mudou a história e possibilitou o desenvolvimento das grandes cidades."

De Cabeça Aberta: conhecendo o cérebro para entender a personalidade humana
"Numa mistura de reportagem, relato pessoal e pesquisa, Steven Johnson descreve como o cérebro humano funciona - suas substâncias químicas, estruturas e atividades de rotina - e como isso se relaciona com a nossa vida cotidiana. O autor acredita que aprender a respeito da mecânica cerebral pode aumentar nossa percepção sobre nós mesmos. Em De cabeça aberta, Johnson experimenta os conhecimentos em si próprio. Ele participa de uma bateria de testes de atenção, aprende a controlar um videogame alterando suas ondas cerebrais e submete seu cérebro a um exame de ressonância magnética funcional. Tudo em busca de uma resposta para uma das questões mais antigas da humanidade: quem sou eu? O autor ainda explica qual a química cerebral por trás do amor e do sexo e revela como interpretamos atos e sentimentos das pessoas com as quais convivemos."

A Invenção do Ar: uma saga de ciência, fé, revolução e o nascimento dos Estados Unidos
"Com prosa elegante e raciocínio arguto, o autor faz o link entre inovações do passado e revoluções do presente. Essa é uma saga que vai do interior da Inglaterra aos recém-criados Estados Unidos; de experimentos feitos na pia da cozinha a multidões enlouquecidas destruindo laboratórios; da celebração de um homem como cientista à sua execração como teólogo. Seguindo o modelo de seu best-seller O Mapa Fantasma, Johnson integra aqui a vida e os feitos do pensador britânico Joseph Priestley em uma extensa história. Gramático, divulgador científico, químico, físico, inventor, teólogo, teórico político, grande amigo de Benjamin Franklin e referência espiritual de Thomas Jefferson, Priestley – segundo o autor – é “a coisa mais próxima de um herói”. Ao descobrir que as plantas consomem gás carbônico e produzem oxigênio, esse “herói” do século XVIII não apenas ajudou a “inventar” o ar, como mudou a nossa forma de viver e pensar."

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